Com o intuito de esclarecer as dúvidas que possam ter ficado obscuras em algum momento da questão anterior, trarei elementos para aprofundar as discussões do blog e grupo do Facebook.
Participaram, até o presente momento, 45 pessoas, onde na Figura 1 apresentam-se os resultados em percentual (%) das estatísticas de respostas:
Figura 1: Resultado da 2ª enquete do blog, extraída do painel de controle da plataforma WordPress. (clique para ampliá-la)
A resposta mais votada foi a proposta 4, onde dos 46 votantes 26 a escolheram, ou seja, 57% do total. A proposta 4 (Figura 2) foi a representação do modelo de Thomson em forma de esfera com miçangas superficialmente colocadas sobre o sólido.
A opção “nenhuma das propostas anteriores” foi marcada por 22% dos votantes (10 votos), sendo que esse percentual equivale a soma das 3 opções minoritariamente votadas (22%), i.e., as propostas 1 (7%), 2 (2%) e 3 (13%) juntas. Ou seja, é explícito que essa escolha é relevante.
Figura 2: Representação do modelo atômico de Thomson seguindo a “proposta 4” da enquete 2.
Nos modelos apresentados, a massa de modelar representou a massa fluida positiva de prótons e as miçangas os pequenos elétrons que deveriam estar imersos na massa. Infelizmente, o termo “incrustada” presente na áudio-descrição é ruim, remetendo a um obstáculo verbal que gera dúvidas quanto aonde os elétrons estão, se dentro ou na superfície grudadas somente.
Em comentários na postagem anterior e no grupo, houve um debate sobre a questão do termo que significa:
fem. sing. part. pass. de Incrustar
1 – Cobrir ou revestir (um corpo) com uma camada ou crusta aderente.
2 – Ornar com incrustações, com tauxia ou com lavores (que se embutem).
3 – Fixar-se, agarrar-se. (FERREIRA, 2014)
Na realidade, nenhuma das propostas é ideal realmente, mas a questão dizia: “Qual modelo mais se aproximaria…”, então o que consideramos mais próximo foi o da proposta 3 (Figura 3):
Figura 3: Representação do modelo atômico de Thomson seguindo a “proposta 3” da enquete 2.
Pois o modelo representado na Figura 3 mostra que as miçangas foram misturadas à massa de modelar. Internamente inseridas no sólido esférico, mas aparentes na superfície.
Na realidade, o que Thomson realmente publicou em 1904, foi que:
Nós temos primeiramente uma esfera positiva uniformemente eletrificada, e dentro dessa esfera um número de corpúsculos distribuídos numa série de anéis paralelos, o número de corpúsculos varia de anel para anel: cada corpúsculo está girando em alta velocidade na circunferência do anel que está situado, e os anéis estão distribuídos de forma que os com maior número de corpúsculos estão mais próximos da superfície da esfera, enquanto aqueles com menor número de corpúsculos estão mais internos. (THOMSON, 1904 apud LOPES e MARTINS, 2009)
Sobre a analogia muito usada em livros didáticos, pode-se comentar que o modelo de Thomson é comparado com um “pudim de passas”, publicada pela primeira vez em dezembro de 1906 pelo Merck´s Report, periódico comercial que tinha o objetivo de popularizar o descrito no mesmo ano pelo atomista em suas conferências. Sendo que, a sobremesa natalina da Inglaterra, o “plum pudding” (figura 4) nada tem da sua versão brasileira, o “pudim de passas” ou “pudim de ameixas”. (HON e GOLDSTEIN, 2013)
Figura 4: plum-pudding. Fonte: TheGuardian.co.uk
Essa metáfora causa, geralmente, a formação do obstáculo epistemológico verbal, segundo Bachelard (1996).
Figura 5: Representação esquemática do modelo de Thomson (“watermellon”).
Quanto ao livro texto e nos roteiros das áudio-descrições do livro “Química”, volume 1, da Martha Reis discute-se primeiramente que na Figura 6, a ilustração do capítulo 11 “Modelo atômico de Thomson”, conhecido como “pudim de passas”, mostra que:
Figura 6: Desenho da representação do modelo atômico de Thomson, o “pudim de passas”. (REIS, 2014)
A questão da tradução equivocada do nome da sobremesa inglesa“plum pudding” dificulta a compreensão do que se áudio-descreve, impondo o realismo do vidente ao aluno cego.
Em seguida, como se pode conferir na Figura 7, onde se apresenta o texto da áudio-descrição da Figura 6, tenta-se explicar os elementos necessários para o aluno com deficiência visual imaginar mentalmente a representação do modelo, como pode ser conferido adiante:
Figura 7: Descrição do desenho da representação do modelo atômico de Thomson, o “pudim de passas”, apresentado na Figura 6. (REIS, 2014)
Na leitura do texto da áudio-descrição, são fornecidos elementos que, reunidos, podem levar ao aluno com deficiência visual a construir o modelo de Thomson assumido como verdadeiro pelo áudio-descritor que foi representado pela Figura 6. Porém, na legenda da imagem cita-se o “pudim de passas” reforçando o obstáculo verbal.
Segundo Bachelard (1996), a questão da analogia encontrada no texto provoca ao entendimento do aluno um obstáculo verbal. O que vem a ser um problema, pois unicamente a descrição como é ouvida, a priori, fortalece uma imagem da errônea.
Alguns comentários pareceram posicionamentos interessantes de se destacar e que nortearam a discussão gerada:
Tais comentários do blog foram levados à discussão com os participantes do grupo de discussão no Facebook e geraram algumas discussões muito produtivas que destacam-se algumas falas interessantes:
Comentarista 1:
A terceira poderia até ser, mas não é circular. (sic)Acho que a 4, também pelo fato de as partículas positivas e negativas se repelirem. (sic)
Comentarista 2:
Mmmm, mas a audiodescrição não explicita que os elétrons estejam obrigatoriamente pela superfície… ela dá a ideia de que os elétrons são partículas soltas pela massa positivva… igual a esses panetones de chocolate: tem aquelas bolinhas de chocolate no meio da massa, em qualquer lugar dela, e naõ necessariamente na superfície… só que com a diferença é que nos átomos, os elétrons se movem, e não ficam ali parados presos na massa! (sic)
Comentarista 3:
Parcialmente. As representações não demonstram o que foi relatado na áudio descrição. Marquei a última, mas se tivessem outras representações seria melhor. (sic)
Comentarista 4:
Eu achei que a áudio descrição era rápida, pq em algumas partes exigia mais tempo para imaginar, fazer a ligação de uma informação com a outra que foi dada, mas qdo a mente começava a trabalhar já vinha outra informação. E ele descreveu bem se fosse mais lento. Só que o modelo do pudim de passas está defasado, até pq aqui no Brasil têm-se o costume de fazer um pudim em uma forma que o deixa com um buraco no meio. (sic)
O que se observou no discurso da maioria dos comentaristas (dentre eles: professores, licenciandos, ex-estudantes de licenciatura e química), que o áudio remete ao modelo realista e concreto. As analogias da narração ouvida levam ao ouvinte reforçar em seu discurso que a melhor imagem é a mais parecida com a clássica do “pudim de passas”, sendo que a mais próxima ao que foi falado no áudio seria a proposição 4, apresentando-se obstáculo verbal.
Concluiu-se que, a partir das discussões e estudos teóricos previamente realizados que:
As evoluções mais contundentes do modelo de Dalton para o de Thonsom, seriam: a constatação da divisibilidade do átomo e a descoberta das partículas corpusculares que posteriormente Perrin atribuiria cargas negativas e as chamaria de elétrons. (VICENT e STENGERS, 1992)
Quanto ao uso das analogias, podem ser feitas mediante a natureza microscópica dos modelos atômicos, porém é necessário o cuidado para não se criar um obstáculo epistemológico intransponível ou criar vícios ao próprio entendimento. (BACHELARD, 1996)
Deve-se ter prudência com o uso das imagens imediatas e paralelos feitos para que os alunos criem atalhos para a construção de um espírito científico, como denominado pelo autor como a ruptura necessária do realismo ou conhecimento comum. (LOPES, 2007)
As imagens tendem a criar um sensualismo pelo entendimento imediato e, assim o exercício dialético para vencer obstáculos e evoluir o pensamento em busca do racionalismo com modelos de pensamento mais abstratos não é feito, pois tudo que a imagem imediata propõe é dito como verdade. A imagem realista se basta e o concreto é preferencialmente adotado como realidade. (BULCÃO, 1981)
Qualquer representação seja em plano ou no espaço, por representar um modelo, algo sub-microscópico, que não pode ser visto apresentará limitações e falhas, por mais bem feitas que possam ser construídas. Os comentaristas realizaram um debate rico sobre as figuras das propostas, e a tendência das respostas da enquete proposta ser a proposição 4 foi justificada pelas limitações da massa de modelar não ser exatamente fluida e não se poder prever se as miçangas corresponderiam realmente as cargas necessárias para neutralizar a massa positiva do átomo de Thomson.
A áudio-descrição leva à uma imagem errônea, pois o modelo descrito é estático, sendo que o originalmente descrito por Thomson, dinâmico. Mas não é um erro de quem representou os modelos das proposições e nem tampouco de quem analisou quando respondeu à enquete, mas sim do roteirista que reduziu o modelo ao que deve ter sido escrito pela autora como o modelo de Thomson. O que foi lido e escrito no livro texto não correspondem ao modelo de Thomson original.
A escolha lexical do roteirista da áudio-descrição não foi a melhor, pois “incrustado” leva a várias interpretações de quem ouve e lê o texto do modelo representado, poderia-se utilizar um sinônimo mais claro para os ouvintes. Tais como: cravejado, encravado, cravado, embutido, inserido, ou ainda enxertado.
Referências bibliográficas
BACHELARD, G. Formação do espírito científico. 10ª reimpressão. RJ: Contraponto, 1996. 310 p.
____________ Les Intuitions Atomistiques. Paris: Bovin & Cie, 1933. 162 p.
BULCÃO, M. O Racionalismo da Ciência Contemporânea. Uma análise epistemológica de Gaston Bachelard. RJ: Antares Universitária, 1981. 148 p.
CHAVES, L. M. M. P; SANTOS, W. L. P e CARNEIRO, M. H. S. História da Ciência em Estudo de Modelos Atômicos em Livros Didáticos de Química e Concepções de Ciência. Química Nova na Escola. São Paulo-SP: Vol. 36, N° 4, p. 269-279, Nov. 2014
FERREIRA, L. M. ATOMISMO: UM RESGATE HISTÓRICO PARA O ENSINO DE QUÍMICA. UFSC: Florianópolis, 2013. 170 p.
FERREIRA, A. B. H. Dicionário do Aurélio. Publicado em: 2016-09-24, revisado em: 2017-02-27 Disponível em: ‹https://dicionariodoaurelio.com/incrustada›. Acesso em: 08/04/ 2017
HON, G. e GOLDSTEIN. J. J. Thomson´s plum-pudding atomic model: The making of scientific myth. Annalen der Physik. Berlin: 585, Nº 8-9, A129 – A133, 2013.
LOPES, A. C. Currículo e Epistemologia. Ijuí, RS: UNIJUÍ, 2007. 232 p.
LOPES, V. M. e MARTINS, R. A. J.J. Thomson e o uso de analogias para explicar os modelos atômicos: O “Pudim de Passas” nos livros didáticos. VIII ENPEC. Florianópolis: 2009. 12 p.
MOURA, C. B. Alguém já viu um pudim de passas? RJ: Química e Educação (Blog), 2014. 2p.
REIS, M. Química. Vol. 1, 1ª edição. SP: Editora Ática, 2014. 320 p.
THOMSON, J. J. On the charge electricity carried. Cambridge Philosophical Magazine Series 6, Volume 7, Number 39 March 1904, p. 237-26
VICENT, B. B.; STENGERS, I. História da Química. Instituto Piaget. Lisboa: 1992. 402 p.
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